quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

NASCIMENTO DO RAUL POR SUA MÃE

Esse é meu relato de VBAC natural hospitalar com 42+5.

“Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez, pois quando isto acontece já não se é mais o mesmo. Assim como as águas que já serão outras” (Heráclito)

Dois anos atrás tive uma cirurgia sem indicação real.
Na tida última consulta de pré-natal, o então "Médico" que me acompanhava, realizou o descolamento de membranas, sem minha autorização e conhecimento.. Fui levada pra uma cirurgia desnecessária, chorando e pedindo pra que respeitassem minha tentativa de ter um parto "normal." Durante o tp, passei por intervenções desnecessárias: Vários exames de toque, feito por plantonistaS, soro, ruptura artificial da bolsa, esse me dói de lembrar, sem meu conhecimento, sem meu consentimento e feito com uma enfermeira me segurando enquanto eu gritava de dor e medo. A Médica conseguiu romper minha bolsa após a terceira tentativa. Fui privada de me alimentar de andar e etc.

Passei 22hs sofrendo (Sim, tudo isso foi sofrimento, esse tratamento foi sofrimento) fui avaliada e o médico constatou que eu estava com 8cm de dilatação, mas que já estava a bastante tempo em tp e ele não queria mais esperar, sim ELE, O MÉDICO NÃO QUERIA ESPERAR! ELE ERA O PROTAGONISTA. Durante a cirurgia ouvi ainda dele que eu era corajosa de querer tentar um parto normal, que ele não ia mais permitir eu continuar essa loucura e que eu tinha que entender que simplesmente não dá pra perder tempo esperando uma dilatação que eu não tinha.. Meu filho nasceu com apgar baixo, não toquei, não senti o seu doce cheiro de vernix, não o amamentei, tivemos nosso encontro rompido. Meu filho foi amparado por mãos estranhas, frias e sem o mínimo de delicadeza. Meu filho passou por todas as intervenções desnecessárias, meu filho foi esfregado e mantido longe de mim por seis horas. Eu somente o vi no CC, ouvi meu marido dizer que ele estava bem e avisei que estava sentindo muito frio e tremor.. Apaguei, não sei se fui sedada ou se era algo acontecendo. Tivemos alta três dias depois e fomos para casa, eu sentia muita dor! Dor física, dificuldade física.. Dor na alma.. Passei quase um ano sem conseguir olhar para a cicatriz, eu procurava desculpas pra "diminuir" a culpa e colocava para mim que a cirurgia tinha sido necessária, que mulheres não foram feitas pro parto, que a natureza me fez falha.. Conseguir olhar para a cicatriz no meu corpo, me fazia mal, eu me sinto mutilada, no físico e na alma. Até um dia meu marido me falar que nosso filho não tinha nascido de 40s como eu acreditava, mas sim de 38s conforme minha DUM e a US que eu não havia atentado. Veio então a parte difícil: Descobrir e aceitar que sim, meu parto foi roubado. O momento importante da minha vida foi tirado de mim...

Dois anos depois me descobri grávida novamente e então decidi que seria diferente, que aquele parto era meu e ninguém iria me tirar ele. Eu seria a protagonista da minha história, meu filho chegaria cercado de amor e respeito.
Comecei então toda uma trajetória em busca do meu parto, o primeiro passo foi o empoderamento do meu marido, que assim como eu, desejava e precisava também renascer nesse parto. Ele me deu apoio incondicional, nos amparamos e buscamos juntos. Procurei por equipes de pd mas não podia ser atendida na minha cidade, pois aqui não tinha como contar com um plano b confiável. Procurei por doulas, tinha dificuldades de encontrar, hora era a distância, hora era a disponibilidade, hora foi doula que me recusou pois ela só me atenderia caso eu pudesse bancar um domiciliar e não no hospital da minha cidade.. Durante o pré natal, troquei de médico 3 vezes, sai no meio da consulta porque não aceitei exame de toque, fui dispensada por uma médica que disse não dar apoio a loucura de ter um parto normal após uma cirurgia (Não posso aceitar que você tente algo que não existe! Ela me disse.,) No fim, terminei com um médico intervencionista mas que porém, tinha uma taxa razoável de PN. Com 39s ele disse que queria me ver toda semana, para fazer o exame de toque e avaliar a dilatação e sinal do TP. Foi a última consulta e não voltei mais. Encontrei minha doula no fim da gestação e essa prontamente não hesitou em vir me acompanhar. Eu tinha um pouco mais de tempo pois no pré natal eu menti a data DUM e a US não estava confiável para se basear por ela.

Cheguei em 40s, 41s e meu corpo continuava trabalhando intensamente. Meus Pródomos começaram cedo, com 37s, apesar disso eu tinha a íntima sensação de que eu passaria a DPP. Estava pronta pra esperar, estava pronta pra PARIR quando meu bebê estivesse pronto. Nem mesmo decidir não saber o sexo do bebê me fazia ter ansiedade para PARIR. Adorava estar grávida, me sentia única, plena, linda, PODEROSA! Todo apoio que tive de amigas e pessoas queridas sobre respeitar minha escolha e o tempo do meu filho, foram cruciais e fizeram diferença plena. Reconhecer também minhas sombras e definitivamente entender e aprender que o parto é tempo, é entrega, é perder o controle se é que existe controle algum sobre gestação e PARIR.

Cheguei a 42s, os Pródomos cada vez mais intensos, e minhas sombras, meus medos
mais presentes que nunca. Presenciei amigas gestantes parirem assim que entraram a termo, outras pouco antes, outras pouco depois e por um momento me vi revivendo o primeiro tp, onde via todas as mulheres chegando e parindo e eu ficando... Até que minha amiga e doula do coração Maressa me disse, Saí, curte essa barriga, exibe essa barriga rara de 42s, dança, come, ande e desligue-se do mundo.

42+2 eu simplesmente acordei sem Pródomos algum.. Nada, nenhum sinal de dor, tampão, contração nada, absolutamente nada. Nisso conversando com minhas amigas do nosso grupo "Dazíndia" elas disseram: Tá chegando a hora, teu corpo tá guardando energia..
Lógico, sabíamos que não era assim, mas elas estavam corretas na "previsão".

42+4 "voltei" a sentir contração e ao sentir a primeira tive certeza: Vou PARIR. É
o início do tp! Avisei minha doula que começou a se preparar parar vir. (Minha
doula é de outra cidade, 220km de distância)

Era sábado, meu marido foi trabalhar e antes de sair me disse: Eu acredito em você e sei que vamos conseguir. A contração vinha a cada trinta exatos minutos, meu tampão começou a sair intensamente.. No domingo era feriado: Dia de finados e algo me dizia que era o dia escolhido pelo meu bebê. A Maressa me disse: Cí se o bebê escolheu dia 2 será o dia mais lindo! (como não amar essa tribo!) A cada contração que vinha, Sentia a dor mais intensa e forte.

Consegui dormir de sábado pra domingo entre uma contração e outra, acordei disposta, sai pra andar um pouco enquanto minha doula não chegava. Meu marido desceu com nosso filho pro apartamento da minha sogra e ficou comigo me dando apoio e cuidado. A diferença de tempo entre uma contração e outra tinha diminuído mas nós não estávamos contando. Consegui almoçar tranquilamente apesar da intensidade da dor. Conseguia ainda conversar com as amigas "Zíndias" pelo whats, era gratificante ler tantas mensagens de apoio, dicas, orientações cuidado.. Quanta gratidão!

Minha doula chegou pouco depois do almoço, nesse momento ainda conseguia racionalizar.. Pouco tempo depois perdi plenamente a noção do tempo e do que aconteceu no ambiente. Não lembro e o que sei foi minha doula e marido que contaram. Lembro da Doula falar que estava incrível e linda, meu marido me falando que estava orgulhoso e cantando uma música enquanto a doula me ajudava a passar pela contração. Como o espaço entre uma contração e outra estava pequeno, decidimos ir pro hospital. Pedi a eles parar passar só a próxima contração e eu ia me levantar para irmos, nisso senti o "ploc" e o líquido descer.. Minha bolsa tinha rompido e imediatamente comecei a perguntar: Qual a cor do líquido? Qual a cor do líquido? Senti o bebê dar um giro, uma "virada" e o líquido parou de descer. Lembrei (e xinguei muitíssimo) minha amiga Cauane me dizendo que depois que a bolsa rompe a dor era inesquecível. Realmente a dor tinha ficado mais intensa, nesse momento eu pensava em cada amiga que tinha parido Senti a primeira contração após o rompimento da bolsa e falei pra doula que não dava pra ficar de pé, eu estava sentindo tudo queimar e uma vontade quase incontrolável de fazer força. Nesse momento toquei lá embaixo e senti a cabeça do bebê, avisei minha doula: Eu tô sentindo, a cabeça dele está aqui ó, tem muito cabelo! Nisso falei pra ela que não queria ir pro hospital, que eu queria ficar em casa e PARIR ali. Minha doula me disse, sei que é sua vontade, mas lembra de tudo que você quer evitar ao bebê e a você, se você ficar teremos que ir após o nascimento e aí chances de evitar as intervenções com o bebê são nulas praticamente, nisso meu marido também me falou: você me pediu que, caso você não quisesse ir era pra te lembrar que não, que nós devemos ir sim pro hospital amor.. Então eu levantei e descemos. Entramos no carro e, o trajeto até o hospital (2 minutos) foram os piores! (contração com carro em movimento não é legal). Durante o trajeto eu gritava e minha doula me abraçava e dizia: Grita, grita tudo o que você precisa gritar.. Meu marido enquanto dirigia falava: Força amor, você tá perfeita!

Chegamos no hospital e meu marido foi correndo na frente, minha doula ficou comigo e eu já estava urrando e gritando a cada contração. A cada dor eu sentia um misto de prazer, euforia, êxtase e medo. Uma pessoa do hospital o ofereceu uma cadeira de rodas e eu sai gritando que eu estava parindo e não doente! Quando entrei na maternidade dei de cara com a médica que fez intervenções comigo no meu primeiro TP, naquele momento senti um pouco de medo mas eu tinha uma segurança incrível de que eu ia conseguir. Sentia cada vez mais arder e os puxos mais forte. Eu não conseguia entender o que falavam comigo, só sentia minha doula me abraçar e me falar que eu era perfeita, entrega porque você vai conseguir. Acredite... Entramos na sala de avaliação pré parto, Meu marido entregou nosso plano de parto e falou que ele queria amparar o bebê. Tentei me colocar de quatro mas não consegui. O pediatra ficou ao lado e lembro da minha doula avisar que no plano tinha todos os termos de recusa e nós não aceitávamos as intervenções. A médica me olhou (avaliou sem toque nem nada) e apenas disse: Cíntia seu bebê vai nascer, respira agora é com você. Minha doula me amparou pelas costas, meu marido segurou uma das minhas mãos e a contração veio, e com ela eu gritei, grito de felicidade, de realização, de entrega de renascimento. Senti meu bebê descer e girar, senti o círculo de fogo, senti ele nascer. Sem médico, enfermeiras, sem ninguém nos tocar. Meu marido orientado pela equipe, amparou nosso bebê e me falou: Nasceu Nosso Raul meu amor, ganhamos outro menino! Raul nasceu com duas circulares de cordão e veio pro meu colo, mamou imediatamente. Nisso ouvi o pediatra falar: Não é pra clampear o cordão agora, olha como o bebê está ficando rosado, é porque ele está recebendo mais sangue. Enquanto ele mamava a placenta nasceu.

Avaliaram ele, apgar 9/10, me entregaram para amamentar novamente. Levaram ele para ser trocado (ele fez coco assim que nasceu). Raul não foi esfregado, não teve colirio, nem vacina, nem vitamina, nem banho, nem aspirado. Eu não tive episio, nem soro, nem toque, nem ruptura artificial nem nada. Fomos pra sala de recuperação (onde eu fiquei alguns minutos pra avaliar pressão, sangramento e etc) eu jantei e logo em seguida fui tomar banho e então fomos pro quarto. Fiquei conhecida no hospital como "A mulher forte, a louca que conseguiu parir após uma cirurgia." O hospital é plenamente cesarista, o médico que acompanhava meu pré natal, conseguiu chegar minutos depois do nascimento. Me deu parabéns!! Disse que tinha sido como eu queria desde o início e que eu era muito determinada.

Raul Nasceu dia 02 de novembro com 42semanas e 5 dias de gestação.. Saudável, perfeito! Meu útero não rompeu, meu filho não morreu sufocado com cordão, eu tive dilatação e PARI!

Gratidão especial ao meu esposo que manifestou amor total e incondicional pela minha vida. Meu esposo superou suas
próprias dificuldades e aborrecimentos para estar ao meu lado plenamente neste processo. Que confiou em nós e acreditou na minha capacidade de PARIR e na capacidade do nosso filho de nascer.

Gratidão à minha querida doula Vanessa, que me respeitou e me amou! Que me ajudou a entender meus medos e reconhecer minhas sombras. Me deu amparo e embarcou nessa jornada comigo!
Às minhas queridas, lindas e incríveis amigas "Zíndias" É uma honra ter vocês nessa jornada!

Gratidão a todo carinho, cuidado, apoio e ensinamento que vocês me passaram!
Esse é o meu parto, essa é a minha história.
 Cí Souza.












NOTAS DO BLOG:
Esse relato foi escrito pela mãe do bebê e cedido ao blog;
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O relato, como todos os outros neste blog, foi publicado com o intuito de estimular reflexões para situações possíveis durante a gestação, parto e amamentação;
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