Quando o sol nasceu, levantamos e o Lucas sugeriu dar uma volta no quarteirão. Muito devagar caminhamos e voltamos pra casa. O que não fez as contrações pararem. Fui ao banheiro e nisso vi que desceu um corrimento claro e pastoso. Relatei pra minha mãe o que estava acontecendo, e nisso, já estava sentindo contrações a cada cinco minutos. “Você está em trabalho de parto, minha filha!!!”. Nessa hora, caiu a ficha que o momento estava chegando.. Mas ao mesmo tempo, não desesperei, ficava sempre no que estava acontecendo naquele momento, e sempre na intenção de que, aquela dor ia passar. “Uma a menos!!”, vibrava eu e o Lucas. O Lucas, meu amor maior do mundo, esteve comigo o tempo inteiro, me apoiando e sustentando todos os momentos. Ele também estava parindo.
Liguei pra enfermeira Odete, descrevi o que estava acontecendo e ela logo se dispôs a vir pra minha casa. Ela avisou pra outra enfermeira, Karina, que chegou logo depois. Sentia que estava entrando numa espécie de sonho, de uma realidade diferente, um caminho árduo que me fazia sentir uma dor de cólica menstrual muito forte a qualquer momento. Odete e Karina sugeriam pra tomar banho quente, e entrar na banheira. A água quente com sais na banheira foi uma graça maior, me senti muito acolhida e mais capaz a suportar as dores da dilatação que vinham. Os ‘segundos’ que duravam a contração, eram momentos de intenso terror e desespero. Não havia lugar ou posição que pudesse aliviar. Desolação total. Mas mesmo assim, escutava os comandos das enfermeiras e do Lucas: “Lembra da respiração profunda! Fica com a respiração profunda!” E realmente, todos esses momentos só puderam passar com menos desespero, porque eu conseguia me apoiar na respiração profunda e completa!! Yoga, Gratidão!! Cada inspiração e expiração consciente e profunda faziam com que abrisse mais e mais espaço dentro de mim, e movimentasse mais e mais a Heleninha em direção à luz.
Não passava nada na minha cabeça quando não havia contrações. Eu apagava. Consegui comer pouquíssimas coisas nessas horas, uvas, duas colheres de mel, uma mordida num pão de queijo, água de coco. Mas água, tomei bem eu acho.
O tempo passava de uma forma estranha naquele banheiro; ou eram saltos de horas, ou era vivência intensa de cada segundo. A dor estava ficando insuportável, e eu sentindo que não estava aguentando mais. Gritava baixo, gritava alto. Pedia socorro. Falava qualquer coisa aleatória. As enfermeiras sempre mediam o batimento cardíaco fetal, confirmando que estava tudo bem e que eu iria conseguir. Elas localizaram a altura que estava a Flor, e alertaram que a bolsa ainda não havia rompido, o que poderia estar causando mais desconforto. Disseram a bolsa já estava muito baixa e que eu poderia estourá-la dando uma pinçada com os dedos. Não tive coragem e clamei por socorro para elas estouraram pra mim. Fomos para a cama, e a única intervenção externa foi dar essa pinçada na bolsa. Karina ainda constatou que eu estava com 9cm de dilatação. Voltando pra banheira, vi meu reflexo no vidro do box e vi como meu quadril estava alargado, e como eu andava com dificuldade com as pernas abertas.
Voltei pra banheira com mais força e confiança de que a Heleninha estava perto de chegar, mesmo que a cada contração eu sentia cada vez mais. A dor na lombar eu já havia ignorado, mesmo que ela estivesse lá todo o momento. Mas consegui encontrar uma posição de pernas abertas que eu segurasse a mão do Lucas e a torneira da banheira. Nessa hora, a Gaia entrou no banheiro. Ficou rondando a banheira, cherou a água e ficou atrás do Lucas. Comecei a sentir a cabeça da Heleninha descendo pelo meu canal. Tive medo. Tive muito medo da Helena. Achei que seria impossível ela sair por ali. Mas a cada contração, tive vontade de fazer força. Ela descia um pouquinho, e a cada pausa, regredia. Fazia um movimento pendular dentro de mim, como se fosse amaciando meu corpo para sair. Quando a cabeça começou a apontar, outro desespero. Queimava! Odete falou: “É o círculo de fogo!! Ela está quase aqui!! E é cabeludinha!!!”. Consegui sentir com a mão, sua cabeça, mas eu tremia de dor e desespero. Queimavaaa! Olhava para o Lucas, e ele chorava. Minha mãe foi chamada para entrar e ela tinha uma expressão de êxtase. Quando a contração veio eu fiz uma força do além e sua cabeça saiu. Um alívio. Consegui relaxar um pouco. Sentia um movimento dentro de mim, parecia a Heleninha mexendo. Esperamos mais um tempinho até a próxima contração para enfim terminar de sair o corpinho. Ahhhhh! “Pega ela amor!!” O Lucas tirou ela da água e colocou no meu colo. Heleninha chorava alto, e o Lucas chorava silencioso. Eu só conseguia passar a mão nela, dando conta de que ela é de verdade, e linda! Muito linda!!!
Nem sei quanto tempo se passou que ficamos ali, na banheira, com a Flor no colo. As enfermeiras se abraçavam, meus pais aproximaram felizão para vê-la. O Lu nem conseguia falar nada. Depois saímos do banheiro e fomos pro quarto. Deitei na cama, e logo veio mais contração na mesma intensidade do parto, eu segurava forte a Flor e ela olhava pra mim. Respirei forte e a placenta nasceu, como um jato, espirrando sangue nas enfermeiras que estavam na direção. E foi isso! Heleninha chorava pedindo para mamar, e nisso sentei na cama e ela mamou por pelo menos 40 minutos.
Só amor desde então!!!! E para sempre!! Gratidão infinita ao Lucas, que foi meu porto seguro durante todo o processo e ainda tem sido! Gratidão a Odete e a Karina pelo amor ao ser humano e a natureza! Gratidão pelos meus pais por terem respeitado nossa opção pelo parto domiciliar e terem cedido seu quarto e banheiro para isso. Gratidão a Deus, a Mãe Terra e todas as forças maiores que estiveram presentes e cuidando de nós antes, durante e agora.
NOTAS DO BLOG:
Esse relato foi escrito pela mãe do bebê e cedido ao blog;
A reprodução dele e das imagens devem ser feitas mediante autorização por escrito;
O relato, como todos os outros neste blog, foi publicado com o intuito de estimular reflexões para situações possíveis durante a gestação, parto e amamentação;
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